Camões, 500 Anos

José Paulo Cavalcanti

Luís Vaz de Camões veio da pequena nobreza – assim se dizia, na época, dos nobres sem casas nem títulos em Portugal. Desde jovem, passava dias e noites pelas ruas entre pedintes, arruaceiros, prostitutas, desvalidos. Ou nas tabernas. E escrevendo versos, quando possível, às vezes em troca de gorjeta. Ou comida.

Era conhecido, pelas incontáveis rixas em que se metia, como Trinca-Fortes. Em uma delas, na noite da procissão de Corpus-Christi, golpeou com espada o pescoço de Gonçalo Borges, cárrego (responsável) dos arreios do rei. Acabou preso no tronco. Libertado por Carta Régia de Perdão, em 7 de março de 1553, teve que pagar quatro mil réis para caridade e foi obrigado a ir servir na Índia. Seria mudança definitiva, em sua vida. Um destino jamais sonhado por seus pais – Simão Vaz de Camões, capitão de nau; e Ana de Sá, dos Macedo de Santarém, doméstica.

Em torno dele, quase tudo é incerto. Sabe-se, dos serviços que prestou na armada portuguesa, que nasceu em Lisboa – ou Coimbra, ou Santarém, ou Alenquer. Talvez em 1523 ou, mais provavelmente, em 1524 (havendo ainda que sugira começos de 1525).

Tendo a lei portuguesa 1540, de 02/02/1924, definido que teria sido em 05.02.1524, agora completando essa data 500 anos. Estudou em Coimbra, entre 1542 e 1545, com o tio dom Bento de Camões, prior do Convento de Santa Cruz. Até que voltou para Lisboa. Mas a carreira das armas, logo percebeu, era mesmo das poucas opções que lhe restavam.

Para cumprir aquela sentença de perdão embarcou pouco dias depois, em 24 de março, na poderosa armada do capitão-mor Fernão Álvares Cabral. Para Goa (Índia). Ali, naquele mundo para ele novo, sofreu todas as agruras. Em expedição a Ceuta, perdeu o olho direito numa batalha. Em 1558, naufragou na foz do rio Mekong – costa do Sião (hoje, Tailândia). Salvou-se despido, como todos os demais sobreviventes, tendo em uma das mãos os primeiros versos de seu Os Lusíadas. Nesse episódio teria morrido uma chinesa, a quem Camões deu o nome poético de Dinamene, e para quem depois escreveria uma série de poemas, entre eles o famoso Soneto 48:

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste

Se lá no assento etéreo, onde subsiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

Foi Provedor dos defuntos nas partes da China, desempenhando suas funções com não muita lisura, é de justiça reconhecer. E, vez por outra, frequentaria prisões. Por dívidas. Ou rixas.  Como dizia o próprio Camões, “Erros meus, má fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se conjuraram”. Mas, sobretudo, nunca parou de escrever.

Em 1570, afinal, estava novamente de volta a Lisboa. Com as carências financeiras de sempre. Segundo se conta, sobreviveu durante algum tempo graças ao fiel Jau, trazido das Molucas. Esse escravo esmolava, de noite, pedindo pão para seu mestre. Importante é que Os Lusíadas avançava. Sob o patrocínio de d. Manuel de Portugal, devotou-se então à sagração de seu país – naquela que é considerada, consensualmente, a mais bela epopéia do século XVI.

edição princeps – assim se diz das primeiras edições de um livro – foi impressa na tipografia de António Gonçalves, em Lisboa, no ano de 1572. Com privilégio real de impressão por 10 anos e publicada com um benévolo (e corajoso) parecer censório de frei Bartolomeu Ferreira, sem data. Terá tido também licença da Mesa Inquisitorial – que, todavia, não foi impressa. O aparato paratextual é simples, 8.816 versos e 1.102 estrofes divididas em 10 cantos. Utilizando a divisão da divina Comédia, de Dante – que assim tem, como cantos, seus 100 livros. Há, hoje, cerca de 25 exemplares ainda existentes, em bibliotecas ou nas mãos de colecionadores. Talvez menos que 10 completos.

Até fins do século XIX, se acreditava ter havido duas edições princeps. Um mito devido a Manuel Faria e Souza – que (em 1639), ao comentar Os Lusíadas, confrontou dois volumes daquele mesmo ano de 1572; e verificou haver, neles, pequenas diferenças. Depois se comprovando terem sido bem mais que duas. Restando hoje assente que assim ocorreu pelo desejo de Camões, ou seu editor, em corrigir pequenas incorreções das impressões anteriores. Dando-se que, em alguns casos, foram sendo aproveitados conjuntos de páginas já impressas, antes, e não utilizadas. Fazendo-se, as correções, nas novas páginas impressas. Uma explicação que só se pode compreender pelos rudimentares sistemas de impressão daquela época.

Apesar de numerosos indicativos dessa edição princeps na comparação com as demais, e curiosamente, o que a identifica é um pelicano, à primeira página, com o bico virado para a esquerda do leitor. Além do pelicano, também um detalhe no terceiro verso da primeira estrofe, que começa por “E entre”; enquanto, nas versões corrigidas, começa por “Entre”. Essas edições de 1572 tornaram-se conhecidas, por isso, como “Ee” e “E”.

Camões tinha com ele, ao morrer, aquela que acabou tida como a primeira edição autêntica, deixada ao frei Joseph Índio, que o acompanhava num hospital de Lisboa. Esse volume é conhecido como Holland House – por ter estado em casa do general Lord Holland, em Londres, a partir de 1812 e por mais de cem anos.

Outra edição famosa, em Portugal, é a segunda ‒ conhecida como dos piscos. Surgida em 1584, dois anos após o fim do prazo do alvará que protegia a primeira (de 1572). Impressa pela tipografia Manuel de Lira, em Lisboa, e com licença do mesmo frei Bartolomeu Ferreira – responsável pela autorização da edição princeps. O nome jocoso dado à edição vem de uma citação, nos Lusíadas (Canto III, 65), sobre a “piscosa Cizimbra”. 

Sezimbra é uma vila portuguesa no distrito de Setúbal. Abundante em peixes, bom lembrar. Trata-se da primeira edição comentada de Os Lusíadas. Explicando a citação, o comentador, como referência aos pássaros que ali se juntam em passagem para a África, provavelmente se referindo ao Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus Rubecula).

Camões segue a trilha de outras epopéias do passado.  Sobretudo a Eneida, de Virgílio; o que se vê até na comparação dos versos iniciais dos poemas: Canto as armas e o varão, Virgílio; e As armas e os Barões assinalados, Camões. Também a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Bem como a divina Comédia, de Dante. Além de numerosas epopéias surgidas em Portugal, no mesmo século XVI de Os Lusíadas, mas antes dele – como as de André de Resende, Manuel da Costa ou José de Anchieta; e manuscritos que circularam, antes de 1572, como os de António Ferreira e Jerónimo Corte-Real.

Nele temos o passado, com a exaltação das conquistas em que o povo português foi muito além do Mar Tenebroso. O presente, com o lamento pelo abandono das terras africanas por Portugal – de Safim a Azanos, de Azila a Alcácer Cequer; sem contar a ameaça turca, conjurada só na batalha naval de Lepanto, em 7 de outubro de 1571. Mas é sobretudo a antevisão de um futuro grandioso, na linha da Utopia do Quinto Império.

 “Para servir-vos, braço às armas feito; Para cantar-vos, mente às Musas dada” (Os Lusíadas, Canto X, 155). Pouco antes, em Desenganos, escreveu “Nascemos para morrer/ Morremos para ter vida/ Em ti morrendo”. Assim foi. Luís Vaz de Camões morreria em 10 de junho de 1580, pouco depois do desastre de Alcácer Quibir – em que desapareceu d. Sebastião, o Desejado, e Portugal passou a ter um rei espanhol. Foi enterrado na igreja de Santa Ana e seus restos acabaram transferidos, em 1894, ao mosteiro dos Jerônimos, onde repousam num túmulo esculpido em mármore bem na entrada. Consta que disse, ao morrer, “Ao menos morro com a pátria”.

ABL – Academia Brasiçleira de Letras – 03/2024.

23/04 – Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor

Paco Editorial

O Dia Mundial do Livro é um evento organizado pela UNESCO e comemorado todo dia 23 de abril. A data serve para promover o prazer e a importância da leitura dentro da sociedade como forma de conhecimento.

Além de ser uma comemoração em defesa dos hábitos de leitura, o dia também comemora a proteção dos direitos autorais e a publicação de livros como uma maneira de acesso a estes materiais.

Dia Mundial do Livro

A data escolhida para homenagear a literatura foi feita como uma maneira de recordar e também homenagear dois grandes autores mundiais que morreram em 23 de abril de 1616, William Shakespeare e Miguel de Cervantes.

O autor inglês William Shakespeare nasceu em Stanford, Inglaterra, na mesma data que veio a falecer posteriormente. William ficou famoso por ter escrito peças de teatro que se tornaram clássicos mundiais, como Romeu e Julieta, e Hamlet.

Mesmo tendo sido um escritor do século XVII, sua obra foi imortalizada em diversas adaptações cinematográficas, incluindo a animação da Disney “O Rei Leão” e centenas de tentativas em adaptar a história de amor entre Romeu e Julieta para os tempos atuais.

Shakespeare, que também era poeta, escreveu 38 peças e mais de 150 sonetos durante sua vida.

Um pouco antes de Shakespeare, nascia na Espanha o escritor Miguel de Cervantes Saavedra, na província de Alcalá de Henares. A primeira grande obra do autor foi o soneto “A la muerte de la reina doña Isabel de Valois”, supostamente publicado em 1569.

Entretanto, Cervantes só foi ganhar notoriedade em 1906, quando publicou o clássico Don Quixote pela primeira vez. A obra se tornou uma grande referência a literatura espanhola e é usado como indicação de leitura durante o estudo da língua, tanto na Espanha como para alunos estrangeiros que buscam aperfeiçoar o idioma.

Assim como Shakespeare, Cervantes teve sua obra imortalizada em diversas adaptações cinematográficas, sendo a mais recente de 2007 intitulada “DonKey Xote”, uma animação dirigida pelo espanhol José Pozo.

A imortalidade de suas obras fez com que fosse possível o acesso a estes clássicos da literatura séculos mais tarde, impulsionando jovens a descobrirem um pouco mais sobre a cultura literária, além de renovar a ideia de preservação destas insubstituíveis contribuições ao progresso social da humanidade.

Mesmo com o falecimento tendo ocorrido em 1616, o Dia Mundial do Livro foi apenas instituído em 1995, durante a realização da XXVIII Conferência Geral da UNESCO.

Todos os anos, escritores e editoras ao redor do mundo se reúnem para organizar eventos neste dia e promover não só seus trabalhos, mas a esperança de que um livro ainda possa ser capaz de mudar o destino de alguém.

Direito de Autor

No dia 23 de abril também se comemora a conquista pelo direito autoral. A medida visa proteger a imagem do autor e da obra para que ela possa usufruir dos benefícios comerciais e legais da exploração de suas criações.

O direito de autor se divide em dois conceitos: direitos morais e patrimoniais. Para efeitos do primeiro, é assegurado a autoria da criação da obra intelectual, sendo intransferível e irrenunciável.

Já os direitos patrimoniais estão relacionados à exploração comercial da obra intelectual, podendo ter o caráter de transferência ou de cessão de direitos a terceiros por meio de um contrato de licenciamento.

No Brasil, projetos audiovisuais que derivem da adaptação de obras publicadas devem apresentar o contrato de cessão de direitos para a exploração comercial no ato de inscrição do projeto em editais públicos de incentivo à cultura, sujeito a posterior análise por órgãos competentes.

A primeira lei de proteção aos direitos do autor entrou em vigor ainda em 1710 e foi sancionada pela Rainha Ana da Inglaterra. Até então, a lei dizia respeito apenas a livros, mais tarde, em 1735, sofreu sua primeira alteração para incluir também desenhos.

O aperfeiçoamento das leis se seguiu ao longo dos séculos e começaram a ser adotados também em outros países da Europa e América.

Domínio Público

Muitas dúvidas rondam a questão do domínio público, muitos realizadores que não podem prover recursos para pagar pela exploração comercial de obras mais atuais buscam este método para fazer suas adaptações.

É importante frisar que o domínio público se torna disponível após um período posterior a morte do autor.

A nível mundial, este prazo é de no mínimo 50 anos a contar do ano seguinte a morte do autor e está previsto pela Convenção de Berna, relativa à proteção de obras literárias e artísticas.

Mesmo que seja estipulado o mínimo de 50 anos para que o domínio público entre em vigor, diversos países têm suas próprias legislações a respeito do tema. No Brasil e em alguns países europeus, a espera é de 70 anos, após esse tempo, apenas os direitos morais devem continuar a ser respeitados.

A cessão de direitos antes de completar o prazo estipulado por lei

Caso os realizadores da possível adaptação queiram utilizar a cessão de direitos patrimoniais antes do prazo de 70 anos, o acordo deve ser realizado junto aos familiares mais próximos do autor, como filhos ou cônjuges que ainda estejam vivos.

Na falta destes familiares, deve ser contada a pessoa responsável pela preservação da obra do autor em questão.

Deve-se ter em mente, no entanto, que estas pessoas podem se negar a ceder os direitos da obra ou até mesmo exigir participar do processo criativo da adaptação como forma de cuidar dos direitos morais póstumos.

Toda decisão e acordo posteriormente feitos devem ter o aparo jurídico de um advogado especialista em direitos patrimoniais e de propriedade intelectual, a fim de que ambas as partes sejam beneficiadas da mesma maneira.

O direito de autor é reconhecido como um direito humano fundamental na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

E você, qual livro irá recomendar no próximo dia 23 de abril para impulsionar a difusão da literatura nas suas redes de amigos? Acompanhe a editora e fique por dentro dos nossos próximos lançamentos e das nossas antigas publicações também.

Acreditamos que o acesso à leitura deve ser cada vez mais simplificado, abrangente e transformador.

Paco Editorial – 23/04/2020